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domingo, novembro 20, 2011

Os contratos PPP são, por definição, opacos...3

Entrevista a Mariana Abrantes de Sousa publicada no Jornal de Negócios de 15-Novembro-2011


"Banca teve muita responsabilidade no descontrolo orçamental"
15 Novembro 2011 | 10:30
Elisabete  Miranda - elisabetemiranda@negocios.pt 
Rui  Peres Jorge - rpjorge@negocios.pt

Entre 2006 e 2008 o crédito às empresas públicas era tanto e tão barato, que abalroou a pouca disciplina orçamental. A banca internacional tem a maior parte da culpa.

Oriunda da banca de investimento internacional, e com experiência pública como controladora financeira dos ministérios da Saúde e das Obras Públicas, duas das áreas de maior risco, onde abundam empresas e parcerias público-privadas (PPP), Mariana Abrantes de Sousa tem um olhar privilegiado sobre a situação financeira do Estado. Em entrevista ao Negócios, é elogiosa em relação aos pequenos passos, aparentemente insignificantes mas relevantes no seu todo, que o Governo está a dar. Aponta as falhas do passado, onde o sector bancário não está isento de responsabilidades, e deixa algumas sugestões para a difícil reforma financeira…

(Continuação, ver parte 1 e parte 2 )

O que a preocupa mais, as PPP ou o sector empresarial do Estado?
O SEE acho que é mais controlável, porque não é a primeira vez que andou em roda livre e apesar de tudo é mais transparente e visível. Os contratos PPP – temos 116 dizem, incluindo as municipais – são por definição opacos. Não temos nem os instrumentos, nem as pessoas no sítio certo, nem o conceito certo de as gerir.

Porquê?
Por exemplo, está-se a falar de criar uma unidade PPP só no Ministério das Finanças: Não chega. O contrato PPP é um contrato de prestação de serviços contra um pagamento. As Finanças não têm de saber do serviço, pois não percebem de doentes, de passageiros, de veículos/Km, nem têm de saber. O contrato de PPP tem de ser gerido no Ministério da tutela, dos Transportes, da Saúde, etc. Para gerir a dívida pública temos o IGCP. Deveríamos também ter um organismo gerir a dívida das empresas públicas e o passivo com PPP, o que já vai em cerca de 50 mil milhões.

Quando nos dizem que há 26 mil milhões de responsabilidades assumidas para o horizonte conhecido das PPP, este valor é credível?
Esse valor deve ter um grau de confiança de 75% - 80%, porque é baseado nos cenários base dos contratos. Isto é, se o tráfego for o previsto, é esse o valor, se for diferente, pode ser mais ou menos.
Há pressupostos que não podemos controlar, como por exemplo o volume de tráfego, mas depois há pressupostos que controlamos mal, como as renegociações. Há projectos que já foram renegociados 3, 4, 5 ou mais vezes, e cada vez com mais encargos para o Estado. Há contratos que até eram muito bons no momento da adjudicação, mas que passados 7 anos, o contrato tornou-se irreconhecível.

E sempre em prejuízo do Estado?
É isso que ainda não se sabe. O recente relatório da DGTF sobre PPPs inclui um capítulo sobre avaliação de riscos, que nunca tinha sido apresentado. Mas falta um capítulo sobre a análise das renegociações.

Está previsto que até Março uma consultora internacional face uma análise das PPP que podem ser renegociadas...
Há 20 pessoas no Estado que poderiam fazer essa análise, não sei porque precisam de uma consultora internacional quando muitas dessas consultoras têm conflitos de interesse pelo seu envolvimento no aconselhamento dos promotores e dos bancos nestes negócios.

Porque há pessoas no Estado com conhecimento e capacidade e que não estão a ser usadas?
Boa pergunta.

Será possível renegociar com condições favoráveis para o Estado?
É muito delicado. Tem uma vantagem que renegociar um contrato de PPP não implica o “default” no resto dos encargos do Estado. Mas é evidente que há projectos que estão doentes, que já tiveram demasiadas renegociações e problemas.

Qual deve ser o objectivo da renegociação?
O objectivo primeiro tem de ser defender o valor do serviço público para o utilizador e minimizar os encargos para o contribuinte. Nós temos tido muitas renegociações em que o Estado assumiu riscos à posteriori, que não estavam previstos. Quando eu vou lá fora e digo isto, as pessoas não acreditam. Na Austrália, por exemplo, fizeram vários túneis e estradas em que o tráfego foi muito inferior ao previsto: as empresas foram à bancarrota e os consultores que estimaram os níveis de tráfego estão a ser processados.

O risco aí foi assumido pelos privados. Porque é que não o foi em Portugal?
É mais fácil ser o Estado assumir o risco. A primeira auto-estrada tende a ser financiada com facilidade. A segunda, ainda tem bastante tráfego, e os privados ainda poderão aceitar esse risco. Mas a partir daí os privados não vão aceitar risco de tráfego.

As piores PPP correspondem a obras públicas menos necessárias?
Por definição. Os piores projectos são os que têm menos tráfego ou os que têm tráfego bastante inferior ao previsto.

Os dados públicos apontam para encargos líquidos correspondentes a 15% do PIB nos próximos 30 anos. Não é assim tanto, ou é?
Não deveria ser, mas o facto é que é. E se acumular esses 15% com a dívida pública, com a dívida das empresas e com a dívida das autarquias e o resultado é muito significativo. Para além do montante da dívida temos um problema adicional: algumas não acrescentam valor à economia.

Há quem diga que os EPE acabaram com a capacidade de controlo das contas na Saúde. Isso é verdade?
Os “EPE” não foram 100% bem sucedidos porque não era suposto endividarem-se e, na prática, fazem-no. Em média tem gastam 110% do que recebem. E foi aliás isso que justificou a passagem de “SA” para “EPE”.

Porquê?
Os credores não quiseram financiar os extra 10% aos “SA” porque consideravam que tinham menos apoio do Estado. Ao passar de “SA” para “EPE” facilitou-se a contracção de dívida. Isto no fundo é tudo desorçamentação.

Não faz sentido haver EPE?
Os hospitais que não têm capital deveriam ser reincorporados no SPA -sector público administrativo. Temos que ser realistas: já demonstrámos que não conseguimos controlar bem as empresas públicas, que não conseguimos controlar bem as EPE, não conseguimos controlar autarquias e governos regionais. O que se controlou foi o Orçamento que ficou no controlo directo da DGO. Todas as modernices orçamentais abriram buracos.

É altura agora para levantar o tapete? Corremos o risco de descobrir muita coisa num momento em que não temos financiamento?
O tapete já desapareceu.

Entrevista com Mariana Abrantes de Sousa, publicada no Jornal de Negócios a 15-Novembro-2011


Ver mais sobre Unidades de PPP em http://ppplusofonia.blogspot.com/2010/11/agencia-das-ppps.html

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